Dez inconstitucionalidades do Inquérito das fake news

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O Inquérito nº 4.781 instaurado pelo presidente do Supremo Tribunal a partir de “notícias fraudulentas (fake news)” que teriam atingido “a honorabilidade e segurança” da Corte é um processo ostensivamente inconstitucional. O seu comprometimento vai “desde os alicerces até o telhado”, para utilizar as acertadas expressões do jurista prussiano Ferdinand Lassalle (1825-1864).

Dez inconstitucionalidades explícitas e incontornáveis fulminam a tramitação deste expediente.

1ª - A redação do artigo 43 do Regimento Interno do Supremo (RISTF), o dispositivo que foi invocado como fundamento para a sua instauração, é originária do texto publicado pelo Diário da Justiça de 27/10/1980, portanto oito anos antes da Constituição Federal e dos novos pressupostos legais e processuais adotados no Brasil.

2ª - O artigo 2º da Resolução nº 564/2015 do Supremo, ao regulamentar a referida norma interna, dispôs que só há possibilidade de instauração de algum inquérito se o autor da infração à lei penal, “na sede ou dependência do Tribunal”, for “autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

3ª – Ato contínuo, diante das medidas judiciais até o momento decretadas pelo relator, não há nenhum suspeito ou investigado detentor de foro para ser processado perante o STF.

4ª – Observada essa circunstância, é importante ter presente que o rol estabelecido pelo inciso I do artigo 102 da CF/88 acerca das pessoas que devem ser processadas perante o STF é taxativo, ou seja, sem possibilidade de ampliação ou redução. Neste sentido, dois acórdãos do próprio tribunal, ambos datados de 2018, um deles inclusive relatado pelo mesmo ministro Moraes (Inquérito nº 4.506/DF), reafirmaram mencionada compreensão.

5ª - Nenhuma prerrogativa do STF ou de seus integrantes foi violada. Logo, a invocação do artigo 13 do RISTF pela Portaria GP nº 69, de 14/03/2019, não respalda a formalização do processo.

6ª – Nenhum inciso, parágrafo ou letra do artigo 102 da Constituição Federal de 1988 determinou ao STF competência para agir como órgão investigador e muito menos de acusação como tem procedido neste feito.

7ª - O artigo 129 da mesma “Constituição Cidadã” dispõe que compete exclusivamente ao Ministério Público promover a ação penal pública contra infratores da lei. Assim, mesmo diante de todas as mais de 8 mil páginas do inquérito, o Procurador Geral da República pode declinar de apresentar denúncias contra um ou todos os acusados e, com isso, remeter o feito para o arquivo. Ou seja: a papelada pode vir a se transformar num grande nada.

8ª - O sigilo absoluto determinado ao expediente, inviabilizando inclusive que advogados constituídos possam atuar em nome e em função dos seus clientes, além de dinamitar a ampla defesa, implode o texto da Súmula Vinculante nº 14 do próprio STF assegurando pomposamente que “É direito do defensor, no interesse do representado, ter o amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

9ª – Pessoas jurídicas ou entes despersonalizados como tribunais, procuradorias e casas legislativas, embora essenciais, não são legalmente íveis de sofrer os crimes de injúria, calúnia e difamação que a Portaria GP nº 69 invocou para formalizar o inquérito. Tais entidades, diferentemente dos seus integrantes, não tem honra a defender.

10ª – Esse somatório de afrontas, sem prejuízo de outras mais, torna letra morta o Princípio da Legalidade, justamente aquele que deveria prevalecer em todos os atos estatais conforme determina o artigo 37 da Constituição Federal.

Com a palavra, sobre si mesmo e em causa própria, o plenário do STF.

Foto de Antônio Augusto Mayer dos Santos

Antônio Augusto Mayer dos Santos

Advogado e professor de Direito Eleitoral