Carta Aberta a Sérgio Moro para que uma derrota judicial seja evitada

Ler na área do

Senhor Ministro da Justiça, Doutor Sérgio Moro.

Seria ousadia de minha parte pretender ensinar - e mesmo debater - matéria de Direito com o senhor. Mas peço que não veja como atrevimento o que contém esta mensagem, transformada em artigo para ser publicada no Jornal da Cidade OnLine. E, desde logo, cuido de enviá-la ao e-mail institucional de seu gabinete em Brasília, com pedido para que seus assessores, que dela tiverem conhecimento, imprimam a missiva e façam-na chegar à leitura do senhor ministro.

Ministro Moro, como titular da pasta da Justiça, cumpre ao senhor , logo abaixo da do senhor presidente da República, este decreto que se anuncia como autorizador e regulamentador da posse de arma de fogo.

Peço que não o faça, senhor Ministro. Sem adentrar na questão da conveniência, da necessidade e oportunidade da permissão estatal para a posse de arma de fogo pelo cidadão comum, aludido decreto não encontra amparo na doutrina nem na legislação para que o mesmo seja editado e baixado. A questão é exclusivamente de ordem legal-formal.

Ainda que tenha recebido, impropriamente, nome que induz à permissão para a posse de arma de fogo, o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22.12.2003) faz alusão, autoriza e disciplina, tão somente o porte de arma de fogo. Porte, e não posse como, por equívoco, deu-se denominação à referida lei.

São 37 artigos sem mencionar o direito à posse, e sim direito ao porte, especificamente elencado do artigo 6º ao 11º e que formam o Capítulo III do referido Estatuto. Quando o Estatuto do Desarmamento faz referência à "posse", tanto se encontra no Capítulo IV, que trata "Dos Crimes e das Penas". Extrai-se, portanto, a intrínseca criminalização da posse.

E porte e posse, qualquer que seja a hermenêutica e seu campo de aplicação, têm tradução e significados diversos. Um não subentende o outro. Desde a sua edição, em 2003, o Estatuto do Desarmamento sofreu alterações em seu texto. Todas, por meio de leis (nºs 10.884/2004; 11.501/2007; 11.706/2008; 12.694/2012 e 12.993/2014) e através de duas Arguições de Inconstitucionalidade (ADINs 5948 e 3.112-1).

Se vê, portanto, que o instituto do "decreto" (no caso, decreto presidencial) é incabível para se conceder um direito que a lei não contempla. É um "plus" que decreto algum pode conferir e outorgar.

E este decreto que se anuncia, confere o direito de posse de arma de fogo e estabelece requisitos para a sua aquisição que o Estatuto do Desarmamento não cuidou de conceder, mas de criminalizar.

E não será o Poder Executivo que substituirá o Poder Legislativo para fazer inserir no Estatuto um direito que o mesmo não concede.

Vamos ao mais renomado istrativista brasileiro, Hely Lopes Meirelles:

"Como ato istrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar. O decreto geral tem, entretanto, a mesma normatividade da lei, desde que não ultrae a alçada regulamentar de que dispõe o Executivo" (Direito istrativo Brasileiro, 19a. edição, página 162, Malheiros Editores).

Quão decepcionante seria se o referido decreto, que autoriza e disciplina a posse de arma de fogo (e nele contendo a do senhor ministro Sérgio Moro, logo em seguida à do senhor presidente da República), uma vez questionado junto ao Judiciário, sofresse sua invalidação por vício formal, vício instrumental, ou qualquer outro nome que se possa emprestar ao defeito!.

Daí o motivo desta missiva em que se encarece ao senhor Ministro que convença o senhor presidente da República a substituir o anunciado decreto por Medida Provisória, mantida a mesma Exposição de Motivos. Ou por projeto de lei.

São os caminhos juridicamente corretos para que o propósito do senhor Presidente se transforme em lei.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)